A cada tragédia ou ação violenta no Brasil, as redes sociais ganham forças como propagadoras de conteúdo que expõe as vítimas e reproduz os momentos de horror vividos por alguém ou algum grupo.
A confirmação desse fato se deu, mais uma vez, com o compartilhamento de vídeos e imagens do massacre em Suzano, em que dois jovens entraram na escola estadual Professor Raul Brasil, na quarta-feira, 13 de março, e dispararam e desferiram golpes contra alunos e funcionários.
Acontece que divulgar esse tipo de imagem — como os corpos dos atiradores e das vítimas após o atentado — pode ser enquadrado como crime previsto no Código Penal. O vilipêndio a cadáver (desprezo ou humilhação do corpo) e suas cinzas tem pena que pode variar de um a três anos de prisão mais multa.
Videos e imagens do tiroteio em Suzano: na internet e na mídia
SHUTTERSTOCK/271 EAK MOTO
Tanto canais de TV, jornais e sites quanto perfis nas redes sociais estão divulgando vídeos e imagens que mostram a ação dos jovens atiradores na escola de Suzano e, em alguns momentos, os corpos das vítimas do massacre com poças de sangue.
Compartilhar esse tipo de material, além de representar um desrespeito às vítimas e seus familiares, pode ser classificado como crime. A atitude se encaixa no artigo 212 do Código Penal Brasileiro: "Vilipendiar cadáver ou suas cinzas. Pena: detenção, de um a três anos, e multa".
"Em tese, é possível se pensar [em vilipêndio a cadáver]. Mas é necessário confirmar o dolo", explicou o doutor e mestre em Direito e Processo Penal, Edson Knippel, em entrevista ao VIX.
É preciso, então, levar em conta qual foi a intenção da pessoa que transmitiu o material e se ela teve a "intenção de profanar o cadáver", explica Edson. A mensagem que o usuário escreveu ao compartilhar os vídeos e as imagens, por exemplo, pode ser um indício nesse sentido.
Compartilhando conteúdo violento
PETER SCHULZEK/SHUTTERSTOCK
De tão naturalizado o compartilhamento desse conteúdo, pouca gente percebe que mesmo com avisos como "Este vídeo pode mostrar conteúdo violento ou explícito" (como algumas das redes sociais classificam o material) ou "Cenas fortes" (um recurso geralmente usado pelos meios de comunicação), as imagens ferem a dignidade humana e atingem as famílias das vítimas.
Nas redes, também caíram imagens da ação violenta na escola, mostrando o momento em que os jovens atiraram e atacaram as vítimas do local.
"Nesse caso, a questão pode ser tratada na área cível, da exposição das pessoas, e até por eles serem menores. Devem ser levadas em conta a exposição da violência e a questão da intimidade [dessas vítimas e dos familiares]", analisa Edson Knippel.
A recomendação é que não se busque, publique ou compartilhe imagens evídeos de Suzano, a fim de manter o respeito às famílias e às vítimas do tiroteio.
Papel da mídia
O especialista também pondera o fato de a mídia ter insistindo na propagação dessas imagens de violência. "Há a necessidade de analisar o papel da mídia em relação à violência com cuidado também. Direito de informação existe, mas é preciso saber os limites", comentou.
Como triste exemplo dessa quebra dos limites entre informação e espetacularização da violência, Edson relembrou o caso de Eloá, em 2008, em que a cobertura midiática acabou por interferir na condução de um dos mais longos sequestros em cárcere privado assistidos (literalmente) pelo Brasil.
Câmara dos Deputados tem projeto de lei sobre assunto
O compartilhamento de imagens que desprezem o cadáver ou parte dele virou assunto de projeto de lei aprovado em abril de 2018 pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.
O documento prevê " detenção de um a três anos e multa para quem reproduz, em qualquer meio de comunicação, imagens ou cenas aviltantes de cadáver ou parte dele. A pena é aumentada em um terço se o responsável pela divulgação tiver acesso às imagens por meio de sua profissão", explicou a Câmara dos Deputados.
O relator da Comissão, o deputado Fausto Pinato mencionou na época o caso do sertanejo Cristiano Araújo como um dos motivos para que fossem endurecidas as leis sobre o tema.
Isso porque, após a morte do cantor, em 2015, fotos e vídeos de seu corpo sendo preparado para o velório vazaram. Dois funcionários da clínica responsável por preparar o corpo do cantor para o velório foram demitidos e indiciados pela polícia devido ao vazamento das imagens. O Google, por meio de ação judicial, foi obrigado a tirar as imagens da rede.